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minha gata não insista, Disneylândias não vão te levar pro céu

Somos contos contando contos, nada. - Fernando Pessoa 

quarta-feira, março 22, 2006

12:48 - Ser Homem



Acordei quatro horas da manhã com o menor chorando, gritei a Sheila e fui me aprontar pro trabalho. Sheila foi minha mulher e nunca nos casamos de papel passado, mesmo assim a gente morou junto até brigar e se separar, a Sheila não tinha praonde ir e acabou ficando, porque não podia voltar pra casa do pai longe da capital. Ela deu a teta e o pirralho se acalmô um pouco, o desgraçado deve ter algum problema porque o Luciano nunca chorou tanto assim, mesmo quando ficava adoentado. Por falar nesse, o Luciano é meu orgulho, com uns oito anos já tinha largado a escola pra nos ajudar aqui em casa, como o dinheiro que eu ganho é curto, ele se arresolveu fazer besteira no sinal pra arrancar uns trocado dos grã-finos, no final das conta, acaba trazendo quase tanto dinheiro quanto eu e raramente tem qualquer problema com o pessoalzinho do conselho. Normalmente eu deixo ele dormir um poco mais, porque o horário bom é mais tarde, mas hoje tive que acordar ele, porque a gente tinha combinado de saí junto, prele começa a aprende meu ofício, o guri tava tão nervoso que se arrumou voando e quis tentar me ajudar.

Ser carrinheiro não tem muito mistério, o mais importante é ser muito resistente e agüentar esse tempo de Porto Alegre. Trabalhando com afinco dá pra tirar de 150 a uns 200 reais no mês, se o cara é como eu e acorda mais cedo pra recolher nos pontos mais cheios, pode até acabar tirando mais, ou se fica até bem tarde na rua pra pegar o fechamento dos lugares, tem mês gordo que dá mais de 250 e a gente até pode trocar a pinga por uma cervejinha, mas não é o mais comum.
Depois de tomar a branquinha que dá gás pra sair pra rua, dei um pouquinho pro guri e saímo comendo o pão, ele foi reclamar que queria leite e eu disse que se ele quisesse mesmo crescer e aprender o ofício do pai tinha que virar homem e largar o leite, que além de mais caro não serve pra ativar as ventas. Ele deu os ombros e fez que entendeu, queria ir do meu lado puxando o carrinho mas ainda é muito nanico, então botei ele no cesto enquanto ainda tava vazio e dei um descanso porque depois ele ia precisar.

Logo que saimos da vila o guri saltou e correu pra agarrar uma sacola de lixo, dei um berro pra chamar o puto de volta e disse que a gente não era porco lixero, que a gente só catava coisa limpa e boa pra reciclagem, que é o que dá dinheiro. Ele ficou meio assustado e encolhido, pediu umas desculpas e sentou quieto quando e disse que ia mostrar o que ele tinha que pegar.

Durante todo o tempo que andava eu sentia minha perna reclamando, um cachorro filho da puta tinha me mordido na semana passada e tinha ficado meio feio, nada que pudesse matar um homem, mas de qualquer jeito o negócio dava uma doída, e a cada pisada no chão eu sentia uma mistura de prazer com dor, que me fazia pisar mais forte e sentir ainda mais. Me ri quando me peguei pensando nessas bobagens e apontei pro guri uns pedaços de papelão perto dum poste, ele correu pra lá todo feliz e voltou trazendo um monte de papel.

Fomos indo sempre na direção do centro, o movimento ainda era capenga e dava pra ir bem sossegado pela rua, eu empurrava o maldito do carrinho e mostrava o que o piá devia pegar, tipo um capitão, acho que ele se divertiu bastante, e eu também tava tendo uma boa folga de todo aquele trabalho e só precisava andar pros melhores pontos.
O dia tava bom demais, e conseguimos quase encher o carrinho antes do meio dia, e olha que meu carrinho é dos maiores que tem por aí, mesmo sendo cheio de papelão ele fica com um peso desgraçado e dá um trabalho danado. Resolvi comprar um refri gelado pra dar um refresco pro meu homenzinho. Ficou feliz à beça e lambeu os beiço. Aí botei ele pra marchar de baixo do sol forte e rumamo pra casa, tinha que vender a coleta e ver se ia no postinho pros homem dar uma boa olhada nessa minha batata da perna.

Tava loco pra chegar em casa e dar um cagada, tava querendo mesmo. Também podia meter uma bronha pra aliviar, comer alguma coisinha já que não tinah achado nem uma mísera sacolinha de comida, dar um pulo no atendimento e voltar pra dar mais uma coletada. Foi ai que olhei pro Luciano suando um monte, até com água nos olho ele tava, andava quase se arrastando, com a mão na barriga como se tivesse um bocado de dor. Fiquei com pena e parei, comprei um troço pra ele comer e ver se melhorava, comeu feito um esfomeado, não devia ta acostumado a ficar tanto tempo sem botar porra nenhuma no bucho. Pedi um copo d'água pra ajudar a gororoba descer pra barriga do infeliz, bebi outro e quase pedi um copinho da purinha, mas eu não tinha mais nada no bolso e me aresolvi voltar logo pra casa. O guri foi meio atrás, seguinto feito cachorro doente.

Ele tava exausto, dava pra ver, mas ai vi uma sinaleira boa e mandei o Luciano ficar ali até a noite, o guri quase reclamou, mas foi lá. Com esse extra que ele ia tirar ali, dava pra comprar alguma besteirinha pra Sheila, porque eu tava precisado dela e, afinal de contas, o guri novo ainda tinha que aprender a ser homem.

pedro s.

Pedro S. S. 2005 > 2009 Creative Commons License
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